1: Introdução
A experiência religiosa é vista nos arraiais acadêmicos como uma atitude marcadamente obsoleta, moralista e alienante. Mas, partindo-se do pressuposto de que todo conhecimento produz uma cosmovisão, um paradigma, e que todo paradigma se apresenta como uma verdade acerca do mundo, um padrão por onde valores e conceitos são medidos, conclui-se que qualquer tipo de conhecimento tem alto potencial alienante, ou, conforme conceito hegeliano, a forma de se conhecer é o possível produtor da alienação (Silveira, 2011). Ampliando o conceito de paradigma, (Kivitz, 2004, pg.12) afirma: [...] paradigmas são “verdades” que se fixam na mente e que indicam um jeito de ser, viver ou fazer as coisas. Vislumbrando na experiência religiosa uma possibilidade de solução criativa é que serão analisadas, ainda que superficialmente, as proposições da Gestalt-Terapia em suas possíveis relações com a fé.
2: Desenvolvimento
2.1: Experiência religiosa: Alienação e solução criativa
Se a experiência religiosa é alienante e obsoleta, logo, conforme pressupostos da Gestalt, não serve de resposta para os dilemas da existência. Entretanto, a História tem exemplificado o contrário. Não se pode negar a importância histórica, filosófica e cultural de homens como o Apóstolo Paulo (Bíblia Sagrada, 1997), Santo Agostinho e Martinho Lutero (Cairns, 1995), que por causa de suas experiências de fé, revolucionaram mentes e sociedades e deixaram indeléveis marcas na história da humanidade, além de fechar gestalts abertas em suas próprias vidas. Uma característica comum entre eles foi a novidade de suas respostas frente seus dilemas, pois somente pela habilidade de abandonar respostas obsoletas e ineficazes é que se pode desfrutar de uma existência guiada pela sabedoria.
Pode-se questionar a validade criativa do quadro “A Ultima Ceia” de Leonardo da Vince, da estátua “Davi” de Michelangelo, dos sons inspiradores do canto gregoriano? Podem-se levantar suspeitas sobre a influência histórica do sermão: “Eu tenho um sonho” do pastor Martin Luther King Jr. pregado em 1968, condenando o racismo americano? O que falar de: “A Divina Comédia”, o “Novo Testamento”, jóias preciosas da literatura mundial? Diante dessas preciosidades artísticas e literárias, é possível condenar totalmente como estéreo de criatividade a experiência religiosa, dado que todos os exemplos acima abordam a temática da fé?
As perguntas retóricas[1] acima revelam uma patente relação entre a criatividade (personificadas nas manifestações artísticas) e a religiosidade e, que as mesmas podem andar juntas e se apresentarem, na experiência humana, como válidos caminhos para o fechamento de velhas e abertura de novas gestaltens. Além disso, o pensamento criativo pode ser visto também como inspiração divina, conforme afirma (Kneller, 1978), o que estabelece mais um vínculo entre a fé e a arte.
É bem verdade, porém, que a experiência religiosa pode tornar o sujeito um ser alienado, quando a mesma não produz um efeito criativo, tendendo-se ao dogmatismo, ao tradicionalismo e à radicalidade irreflexiva. No entanto, outros tipos de conhecimento também podem produzir semelhantes efeitos, por exemplo, o nazismo em sua proposição de superioridade ariana. A alienação proveniente da experiência religiosa é bem destacada por (Bonfatti, 2000, p.) nas seguintes palavras: “Consoante a isso, não se pode deixar de perceber e concordar também quando a Psicologia aponta que existem elementos alienantes e infantilizantes na experiência religiosa”.
Estes aspectos alienantes presentes na religiosidade se colocam como bloqueadores ou limitadores da visão do todo, influindo na fronteira de contato, produzindo respostas unilaterais a uma gestalt aberta ou impedindo o surgimento de outras gestaltens, que são elementos fundamentais para o crescimento pessoal. Portanto, como agente alienante, a experiência religiosa atua sobre o pensamento criativo, impedindo o processo de problematização e solução de questões, próprias da teoria gestáltica (Kneller, 1978).
2.2: Exemplos históricos da fé como solução criativa
Como já foi dito, a História aponta personagens, que por sua fé produziram benesses à sua sociedade e solucionaram questões existenciais importantes. É possível destacar na crise existencial do Apóstolo Paulo, um fechamento de gestalt. Paulo, perseguidor dos cristãos, convicto de que estava realizando um “chamado divino”, se depara numa teofania[2]que mudou sua trajetória, seus valores e seu jeito de agir e reagir diante das muitas gestaltens que, posteriormente, se apresentaram em sua vida. É a partir de sua experiência religiosa que o Ap. Paulo se notifica como uns dos principais propagadores da fé cristã e como ícone do cristianismo.
Vale ressaltar alguns elementos importantes na experiência de Paulo. Em primeiro lugar, o seu pensamento obstinado e, portanto, sua inabilidade no contato e nas variabilidades das respostas. Ocorre, conforme o texto bíblico de Atos 9: 1-8 (Bíblia Shedd, 1997), um insight por ocasião de sua experiência com uma voz e uma luz celestiais. O contato, ou seja, o “toque divino” por meio de estímulos sonoros e visuais possibilitou no apóstolo um fechamento de gestalt no que tange sua vivência religiosa. Este contato com a divindade estabeleceu a harmonia existencial do apóstolo e se estabeleceu como base para a solução de questões posteriores, sempre sobre a lupa da releitura e revivência no aqui-agora na vida de Paulo, como relata posteriormente os textos de Atos 22: 4-11 e 26: 8-18 (Bíblia Shedd, 1997), distando entre os eventos cerca de 20 anos (Barker e Burnick, 2003). A releitura de sua experiência, ainda que fosse um evento ocorrido no passado, encontra na teoria gestáltica e no seu conceito do aqui-agora o respaldo terapêutico, onde a dimensão pretérita de sua fé estabeleceu os limites psicológicos para a experiência (Polster, 2001) do seu presente.
Outro personagem histórico importante tanto para a cristandade como para o desenvolvimento filosófico do ocidente foi o Santo Agostinho. Dono de uma grande capacidade de reflexão teológica e filosófica, Agostinho, chamado pai da igreja, lançou importantes alicerces dogmáticos que, até hoje se configuram como bases doutrinárias da fé cristã (Bettenson, 2001). Aquém de tudo isso, Santo Agostinho teve, em sua história de vida, momentos de profundos questionamentos existenciais, onde sua busca por resposta desembocou numa libertadora experiência de fé (Cairns, 1995).
Ao descrever sua vida em sua autobiografia, o livro “Confissões”, Santo Agostinho, detalha sua insana busca por um sentido, uma resposta às suas muitas questões e por quês existenciais. A frase: “Meu coração clamava violentamente contra todos os meus fantasmas” (Csernik, 2011) resume muito bem o estado de espírito do célebre autor. Sua conversão, ou seja, sua experiência religiosa se dá no ano 386 dC, quando ao refletir sobre sua vida, ouve uma voz que o instrui na leitura do texto bíblico de Romanos 13: 13-14 (Cairns, 1995), estabelecendo na fronteira de contato consigo mesmo, a possibilidade da fé cristã como resposta à sua gestalt aberta.
Caminhando um pouco mais na História, encontramos outro personagem fundamental para a formação do pensamento ocidental, tanto na religiosidade quanto na literatura e desenvolvimento social. Trata-se de Martinho Lutero. O monge agostiniano que “reformou a igreja”, passou por um período de dilemas e frustrações, inclusive com a fé que até então confessava. Agudo em suas pregações contra as indulgências[3] e dono de uma eloqüência no ensino teológico, Lutero proporcionou uma reforma além da religiosa, pois passou a traduzir os textos bíblicos para o alemão, escrever livros que foram promotores de sua nova fé e canções como “Castelo Forte” (Cantor Cristão, 1996) que ressoaram como hinos à sua liberdade existencial e, por conseguinte, o próprio povo germânico. Além disso, proporcionou o paradigma religioso necessário para os rompimentos políticos da Alemanha com o Santo Império Romano (Rochemont, 1953) e (Cairns, 1995).
A crise de fé de Lutero se dá por ocasião de sua viagem a Roma e a constatação da corrupção clerical na capital da fé cristã. Mas, somente ao se deparar como versículo 17 do capítulo primeiro de Romanos é que sua vida começa a ganhar os contornos pelos quais foi conhecido. Neste momento de sua história, Lutero realiza uma awarennes, onde sua fé é totalmente questionada, não tendo outra opção a não ser a mudança. A justificação pela fé, sua principal proposição teológica (Cairns, 1995) deu a ele a coragem de se rebelar contra a estrutura eclesiástica católica de sua época. Ele em vão tentou dissuadir os clérigos de alta posição da Igreja, tendo que realizar uma fuga para manter a integridade de sua consciência. Sua famosa frase: “[...] ir contra a consciência não é certo e nem seguro [...]” (Rochemont, 1953) estabeleceu um verdadeiro rompimento com a fé católica e inaugurou a fé reformada na Alemanha e depois outros países da Europa. No uso de sua liberdade existencial, Martinho Lutero escolheu seu próprio destino, indo além das contingências religiosas e políticas de sua época. Devido às pressões sua fuga foi o mais indicado no momento, inclusive sua fuga literal, pois teve de se esconder para manter-se vivo. O valor dessa fuga realizada por Lutero pode ser visto nas palavras de (Ciornai, 1995):
[...] Às vezes as pressões e cargas negativas do meio são tão fortes que a pessoa desenvolve defesas que terminam por limitá-la em sua existência. Estas defesas, no entanto devem ser vistas como a melhor resposta que a pessoa pôde criar no momento e situação específica em que se encontrava. [...].
3: Conclusão
Dentro de um mundo fenomênico, ou seja, um meio comportamental a tendência ao equilíbrio se assimila à busca pela estética perfeita ou a lei da boa forma (Figueiredo, 1991), que no momento especifico, se configurou para Paulo, Agostinho e Lutero o seu contato com a transcendência da fé, fechando suas gestaltens. Outro aspecto importante a ser ressaltado é que o contato com o divino se propõe como uma lente que possibilita enxergar o interior daquele que experimenta o toque de Deus, pois conforme (Polster, 2001) “o contato é vitalizador” e que a “experiência é o mais importante”. Diante dessas testemunhas da história e como suas vidas foram mudadas pela experiência religiosa, vale pelo menos uma reflexão sobre o valor da fé na produção de saúde psíquica.
4: Referências Bibliográficas
ALVES, Valtencir. Pergunta Retórica. Disponível em: http://doutorhermeneutica.blogspot.com/2008/12/pergunta-retrica.html. Acessado em 28 de junho de 2011;
BETTENSON, Henry. Documentos da igreja cristã. São Paulo: ASTE, 2001
BARKER, Kenneth; BURNICK, Donald (org). Bíblia de Estudo NVI. São Paulo: Vida Nova, 2003;
BÍBLIA SHEDD. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. São Paulo: Vida Nova; Brasília/DF: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997;
BONFATTI, Paulo. A expressão popular do sagrado – uma análise psico-antropológica da Igreja Universal do Reino de Deus. São Paulo: Paulinas, 2000;
CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos – uma história da Igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1995;
CANTOR CRISTÃO. Hinário das igrejas Batistas do Brasil. Rio de Janeiro: JUERP, 1996;
CIORNAI, Selma. Relação entre criatividade e saúde na Gestalt-Terapia IN Palestra ministrada no I Encontro Goiano de Gestalt Terapia. Goiania: 1995;
CSERNIK, Lúcia Maria. Confissões Santo Agostinho. Disponível em: http://www.google.com.br/#sclient=psy&hl=ptBR&biw=1280&bih=719&source=hp&q=Confiss%C3%B5es+de+santo+agostinho&aq=f&aqi=&aql=&oq=&pbx=1&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.&fp=ed3102e50e4c3d7. Acessado em 28 de junho de 2011;
CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia – Vol 6. São Paulo: Hagnos, 2006;
FIGUEIREDO, Luiz Cláudio M. Matrizes do pensamento psicológico. Petrópoles/RJ: Vozes, 1991;
KNELLER, George Frederick. Arte e ciência da criatividade. São Paulo: IBRASA, 1978;
KIVITZ, Ed René. Quebrando paradigmas. São Paulo: Abba Press, 2004;
POLSTER, Erving. Gestalt-Terapia Intergrada. São Paulo: Summus, 2001;
ROCHEMONT, Louis de. Martinho Lutero. São Paulo: Comec, 1953. 01 DVD (105min.);
SILVEIRA, Ronnie. A filosofia de Hegel. Disponível em: ghiraldelli.files.wordpress.com/2008/07/silveira_hegel.pdf. Acessado em 29 de Junho de 2011.
[1] - [...] é aquela que não exige resposta; seu objetivo é forçar o leitor a respondê-la mentalmente e avaliar suas implicações [...]. Alves, 2011;
[2] - [...] qualquer aparição ou manifestação de Deus [...]. Champlin, 2006.
[3] - Relativo ao sacramento católico da confissão. Era usado, no tempo da Reforma, como meio de arrecadar fundos para a igreja pela venda do perdão de Deus mediante algum tipo de pagamento, peregrinação ou ato meritório. Cairns, 1995.
O trabalho representa a religião como uma forma de auxiliar o sujeito na produção de inovadoras perspectivas de vida através das experiências. Contudo busca esclarecer que a alienação não é produto apenas da religião, mas que qualquer paradigma pode produzir focalização do sujeito a uma única figura, por isso vale lembrar que a criatividade é o ponto principal de condução do sujeito a fuga da alienação.
ResponderExcluirGrupo: Alice, Débora, Laís e Rose.
O assunto discutido foi muito bem explanado, as situações que foram vivenciadas por cada um dos personagens biblicos apresenta uma aproximação dos conceitos preconizados pela gestalt como por exemplo a relação figura e fundo que foram estabelecidas de acordo com cada situação e problema vivenciado. Um exemplo que merece muito destaque é o caso do apóstolo Paulo que teve todo o seu self inflado, ou seja toda a sua energia foi focalizada em algo, gasta em seguir o seu objetivo que era acompanhar Jesus.
ResponderExcluirGrupo: Ana Paula Lourenzo, Ana Paula Sossai, Claudineia Campos, Geiciara Soares, Larissa Durão e Thayla Bonfante.
A utilização da experiência religiosa como solução criativa de dilemas existenciais permite ao sujeito uma fusão entre criatividade e religião, onde as mesmas apresentam como experiência humana, pois possibilitam caminhos para um bom fechamento de gestalts e aberturas de novas. Desta forma, a experiência religiosa passa a atuar no pensamento criativo e promovendo a saúde do indivíduo.
ResponderExcluirMichelle Alves, Paloma Borôto e Renata Gambarini.
É inegável, a meu ver, a participação de qualquer tipo de crença religiosa no fechamento de gestalts. O tema abordado é bastante pertinente à medida em que permite uma visão sem preconceitos da religiosidade. A fronteira de contato estabelecida entre sujeito e fé permite a promoção de criatividade quando o sujeito passa a considerar a saída de formas obsoletas de vivência. Isto se observa no trecho descrito pelo grupo no qual afirmam que grandes nomes da religiosidade usaram de novidades em suas respostas frente a seus dilemas, já que é pela habilidade de abandonar respostas fixas já ineficazes para o dado presente que é permitido que se desfrute de uma existência guiada pela sabedoria.
ResponderExcluirLeonora Müller/Ana Cláudia Bolzani
A proposta foi colocada de modo satisfatório abordando os conceitos da gestalt de forma clara, mas o formato do trabalho não condiz com o formato de blog, trata-se de um formato de trabalho científico, com um texto muito extenso. Poderia ter utilizado criatividade em um outro 'formato', de forma mais sucinta (especifico de blog), sendo que criatividade é um dos conceitos da Gestalt.
ResponderExcluirCarla Oliveira Souza Cardoso, Josele Girondolli, Rafaela Gonçalo Brandy.
Deveras é claramente notável a profundidade do assunto, porem não houve nenhuma preocupação em alcançar um amplo publico para apreciar o assunto, visto que se usa de uma linguagem rebuscada limitando bruscamente o proveito do leitor, que, se não tem um conhecimento prévio do assunto não ira tirar proveito algum.
ResponderExcluirPode se considerar também que como o tema abordado foi a fé como meio produzir saúde psíquica é algo meio dubio, apesar de se citar exemplos onde afirma a proposta apresentada, vemos também inúmeros exemplos onde as pessoas usam a fé de outras para beneficio próprio gerando quietismo e a má-fé deixando claro que os exemplos citados não são a regra.
Tocando novamente no ponto linguagem, creio que deve se ter em mente o publico e não o usa de palavras que para a maioria são consideradas “difíceis”. Usaram a linguagem como FIGURA e deixaram o tema como FUNDO.
Jefferson, Elisangela, Juliana, Monique e Rhana